quarta-feira, 27 de março de 2013

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

terça-feira, 19 de julho de 2011

O espaço social da escola!

Se analisarmos a história educacional, perceberemos que o aluno e também a escola, até a década de 80, sofreram muitas influências externas, ou seja, das macroestruturas, que porventura acabavam moldando e induzindo o comportamento dos sujeitos. Só apartir de 80, houve a preferência pela ação do sujeito e a escola passou a perceber o aluno como o centro do conhecimento. A escola é um espaço sociocultural em que sujeitos sociais e históricos devem viver em uma constante dinâmica entre escola e cultura. Conhecer as formas como se delinearam e foram conduzidas a educação, criticá-las, analisá-las e evidenciar sua inadequação pode gerar práticas educativas mais condizentes com nossa realidade brasileira. Hoje, as imposições continuam, mas há uma relação de construção contínua e a visão de que a escola é um espaço social próprio de duas dimensões, que busca tanto delimitar quanto unificar a ação dos sujeitos. A todo instante ocorre o confronto do novo com o velho, mas este confronto deve ocorrer a fim de ampliar a análise educacional para atingir as necessidades do cotidiano escolar.
A escola mantém uma rotina em seu cotidiano, em que acontecem as mesmas coisas todos os dias, e não percebemos a amplitude das diferenças que ocorrem nas relações, a diversidade cultural, étnica e a bagagem que cada indivíduo carrega conseguem.
Professores e alunos se encontram em lados opostos, em vez de estarem lado a lado buscando o conhecimento e o crescimento juntos.
Percebe-se que a escola na está inserida na sociedade, como se fosse um mundo a parte com seus papéis específicos que não atendem a realidade da sociedade como objeto de conhecimento.
Se olharmos atentamente para a escola e para cada um dos alunos do qual dela fazem parte, perceberemos que antes de mais nada, são pessoas, seres humanos também com expectativas e necessidades. Olhá-lo apenas como aluno é muito pouco e como um conjunto então, é inadmissível. O professor não percebe o aluno como um ser único com diferentes vivências, mas sim como um objeto inserido num grupo onde para ele, todos são iguais, homogêneos, tendo as mesmas dificuldades e ansiedades. Os conteúdos são distantes da realidade do aluno e também não atendem aos seus interesses, ou seja, são transmitidos e cobrados tal qual forma passados. Não é valorizada a caminhada do aluno e existe uma desarticulação entre vivência, conteúdos e escola, assim como uma visão estereotipada deste. Muitas vezes passamos por situações em sala de aula que nos dão indícios de que algo não está certo e não percebemos. Se um aluno nos questiona é visto como indisciplinado. Talvez este aluno esteja querendo mais, quer ir além do que é habitual e a escola não está atendendo às suas reais necessidades, esquecendo-se de que ele é um ser humano com múltiplas carências e expectativas e que deve existir um olhar e uma prática mais reflexiva dentro do âmbito escolar.
O PPP deveria contemplar a heterogeneidade dos alunos e atingir a diversidade, no entanto acaba reforçando a desigualdade no momento em que coloca todos no mesmo patamar. Esquece-se de que ao chegarem ali já trazem consigo uma bagagem cultural imensa de vivências e experiências diferenciadas e de que seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e social também são diferentes, conforme as relações sociais estabelecidas anteriormente, paralelas e provavelmente posteriores à escola.
Cada aluno possui a sua história, que varia conforme o ambiente em que está inserido, sendo necessário que o professor compreenda-os como seres únicos com objetivos, projetos e valores diferentes.
Não se pode esquecer que o meio produz experiências e estas produzem a história que os faz agir determinadas por sua cultura. O meio social, amigos, sociedade influenciam na construção da personalidade de cada indivíduo onde cada indivíduo tem a sua experiência de vida que é única, onde cada indivíduo é o que viveu e vive modificando-se a medida em que amadurece.
Por mais que se queira rejeitar a realidade em que se nasce e vive ela interfere na construção do indivíduo social que é.
A sociedade é formada por grupos de acordo com interesses e características e os indivíduos vão se inserindo de acordo com as suas necessidades e experiências vividas, que ao longo da vida as necessidades e experiências vão sendo reconstruídas, reelaboradas ou substituídas e novos grupos vão se formando e adaptando-se a sociedade e não o inverso.
Dentro de uma mesma realidade podem existir múltiplas falas, vivências, experiências e interpretações, o indivíduo tem a possibilidade de permanecer, sem modificá-la ou buscar ações que visem transformar esta realidade ou ainda procurar outros grupos com realidades diferentes mas que atendam as suas necessidades individuais.
As relações sociais educam, formam, produzem indivíduos únicos provenientes de realidades também únicas. A educação acontece em diferentes momentos, situações e espaços mesmo informais. Acontecem independente das possibilidades e limitações de cada ser, das imposições da sociedade, do núcleo familiar, da questão econômica e religiosa.
A cultura contempla uma política ideológica presente nos processos individuais, que em muitas ocasiões irão divergir da própria cultura do indivíduo. A partir disto o indivíduo pode adequar-se, divergir, respeitar ou simplesmente apropriar-se do que lhe for conveniente desta cultura, para criar seu projeto pessoal, o qual pode variar de acordo com a idade e amadurecimento.


A escola faz parte do projeto do indivíduo, mas não é o projeto de vida em si, porém dependendo do papel que assume, das ações e relações que estabelece com o indivíduo, pode interferir de forma positiva ou negativa na realização deste projeto. Para cada indivíduo a escola tem um sentido portanto, jamais será universal e poderá desenvolver ações que reduzam-no a cópias idênticas.
O projeto pedagógico tem que atingir tais questões e ampliar os projetos dos alunos. A escola deve ser constantemente um espaço aberto, amplo, inquietante, que coloca regularmente o indivíduo e suas concepções em confronto com as dos outros. Situações como estas devem servir para acrescentar conhecimento, vivência e crescimento ao seu ser e colaborar na reconstrução de novos valores e atribuições.
A escola é um instrumento de educação e não um transmissor de conhecimentos, por isso precisa dar conta dos questionamentos, das deficiências de seus alunos e perceber as diferenças não como deficiências, mas sim como parte de múltiplas culturas, resgatando-as, valorizando-as e destacando estas diferenças dos alunos como ser rico em experiências e história.
A escola tem reflexos da sociedade mostrando a separação entre alunos e professores, com a sua frieza e rigidez quanto a individualidade de cada indivíduo.
Até mesmo a arquitetura escolar é capaz de aproximar ou distanciar os indivíduos, de estimular relações de troca e construção de valores, assim como também pode ajudar a promover ainda mais a segregação e individualidade. Pela organização do espaço escolar percebe-se qual a concepção educativa presente na escola, além do tipo de relação que esta estabelece com a comunidade escolar.

Todas as dependências da escola devem ser pensadas de forma a contribuir para o desenvolvimento de práticas pedagógicas emancipatórias. A escola deve reconhecer-se como espaço de mudança, luta e emancipação de todos os que dela fazem parte
A escola não deve isolar-se, mas sim romper os muros escolares a fim de criar parcerias com o seu exterior. Esta aproximação estimulará a troca, a solidariedade, o respeito, a confiança e a participação de indivíduos que poderão contribuir para o desenvolvimento de práticas educativas mais significativas.
Assim como a escola não deve isolar-se da comunidade e de sua realidade, o professor também não deve reduzir o espaço de aprendizagem a quatro paredes de uma sala de aula, muitas vezes desestimulante. Professores e alunos podem ressignificar o espaço escolar, de forma a ampliar as possibilidades de relações e aprendizado individual e coletivo.

Lindonéia, a Gioconda do Subúrbio!!


Lindonéia, a Gioconda do Subúrbio, 1966-Rubens Gerchman

O tropicalismo foi um movimento musical que atingiu diversas esferas culturais, iniciado no Brasil na década de 60 e tem como marco inicial o Festival de Música Popular realizado em 1967 pela TV Record.
O Brasil fervilhava culturalmente com uma intensa produção que ia de peças teatrais, a canções de protesto, passando pelos filmes e artes plásticas, com intelectuais e movimentos de esquerda agindo de forma livre, sem grandes problemas com a censura.
As mudanças políticas, sociais, culturais e comportamentais ocorridas na década de 60, marcaram o início de um novo tempo, mudando a cara do Brasil. Para a rebeldia tropicalista tudo parecia fácil e possível e os sonhos pareciam transpor a realidade, mesmo com a tensão reinante.
O Tropicalismo foi inovador ao mesclar aspectos tradicionais da cultura nacional com inovações estéticas da pop art. Houve um sincretismo entre vários estilos musicais como, por exemplo, o rock, a bossa nova, o baião, o samba e o bolero. Estes traziam em suas letras musicais um tom poético, carregado de críticas sociais e temas do cotidiano, repletos de criatividade.
Este movimento propunha revelar a realidade e suas contradições: o arcaico e o moderno, o nacional e o estrangeiro, o rural e o urbano, o progresso e o atraso. Em outras palavras, quis mostrar particularidades da cultura brasileira, mescladas à cultura latino-americana, resgatando-a e transformando-a.
A arma de protesto dos tropicalistas era a música, com uma estética musical inovadora, utilizando-se de guitarras. O Tropicalismo foi representado por nomes como: Caetano veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Tom Zé, Jorge Bem, Gal Costa e Maria Bethânia.
Os músicos do Tropicalismo tinham como objetivo manter uma linguagem realista e atual, renegando o compromisso com estilos, modismos, coisas feitas e esgotadas.
Os músicos vanguardistas de esquerda foram protagonistas de uma luta contra o autoritarismo e a desigualdade social, sugerindo a internacionalização da cultura e uma expressão estética diferenciada onde a cultura de massa obteve a mesma importância da cultura erudita.
Neste movimento ocorreu a inclusão nas artes plásticas das questões políticas e críticas sociais integrando novas linguagens a serem assimiladas para que fossem ditas e vistas, de forma que a mensagem estaria nas entrelinhas e associadas ao meio. Havia a necessidade de se falar de um mundo opressivo que causava desconforto e impelia os artistas a uma luta engajada de forma artística buscando expressar uma violência para despertar uma sociedade anestesiada e insensível, diante do regime ditador.
Portanto, o Tropicalismo conseguiu modernizar o cenário artístico brasileiro adotando novos padrões estéticos, sendo um movimento revolucionário que influenciou gerações das décadas posteriores, mesmo tendo pouca duração. Liberdade resume o que foi este movimento e a obra Lindonéia, faz parte deste período marcante, deste grito de liberdade pelo qual lutaram os tropicalistas, além de estar representada tanto na obra, quanto na letra da música, a vida da miscigenada população brasileira na época da ditadura. .



Referências Bibliográficas:






domingo, 17 de julho de 2011

Revista Pátio
Ano VII - Nº 27 - Dilemas Práticos dos Professores - Agosto à Outubro 2003



Entrevista
António Nóvoa


"Os professores estão na mira de todos os discursos. São o alvo mais fácil a abater"

Ser professor é o mais impossível e o mais necessário de todos os ofícios. Quem afirma é o educador português António Nóvoa, vice-reitor da Universidade de Lisboa. Doutor em Educação e catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, Nóvoa preside a Associação Internacional de História da Educação e é bastante conhecido dos professores brasileiros, que costumam lotar suas conferências. "Ser professor implica um corpo-a-corpo permanente com a vida dos outros e com a nossa própria vida. Implica um esforço diário de reflexão e de partilha", diz Nóvoa nesta entrevista, concedida à Pátio por e-mail pouco antes de vir ao Brasil para participar do Congresso Internacional sobre Avaliação na Educação, em Curitiba, e do II Congresso de Educação do Marista de Salvador, ambos em julho. Ao longo da conversa, fica clara a importância que António Nóvoa atribui à cooperação e ao intercâmbio nas escolas para o exercício do impossível e necessário ofício de professor. "Ninguém é professor sozinho, isolado. A formação exige partilha. A atividade docente necessita de dispositivos de acompanhamento", afirma. Esta e outras idéias são discutidas a seguir, com a lucidez e a clareza que caracterizam o pensamento de António Nóvoa.

Pátio - Estão acontecendo reformas educacionais em vários países do mundo. Como o senhor vê essas reformas e qual a possibilidade de elas terem efeitos duradouros em uma instituição como a escola, que é sabidamente resistente a mudanças?


António Nóvoa - Vivemos em uma sociedade do espetáculo e do consumo. A mídia dramatiza os debates educativos, por vezes até o limite do insuportável, e impõe-nos idéias feitas, rankings, classificações e hierarquias que servem aos propósitos de uma relação consumista com a escola. Os alunos e as famílias são vistos como "clientes" que devem proteger os seus interesses. É uma atitude legítima, pois, quando não há um projeto coletivo coerente, prevalecem os interesses individuais. Porém, é uma atitude que condena, a longo prazo, a concepção da educação como um "bem comum". Muitas reformas educacionais atuais são portadoras dessa "educação bancária", uma nova versão daquela que há tempos foi denunciada por Paulo Freire. Agora, não é tanto a relação professor-aluno que está em causa, mas sim a relação escola-família. Na minha opinião, é bom resistir a essas mudanças.Temos tendência para encarar a mudança como um "valor positivo". Infelizmente, muitas vezes muda-se para pior! A educação exige grande serenidade e bom senso. Não podemos correr atrás da primeira moda!

Pátio - O que lhe parece que seria necessário em uma "mudança para melhor"?


Nóvoa - São três os aspectos que me parecem centrais na refundação da escola: uma nova organização do trabalho escolar, uma nova relação com o espaço cultural e uma nova concepção do conhecimento. Quero referir-me, em primeiro lugar, à necessidade de adotarmos formas inovadoras de trabalho, quebrando a rigidez tradicional do "modelo escolar" e desenvolvendo práticas de diferenciação pedagógica, de redefinição dos espaços e tempos letivos, de gestão integrada dos ciclos de aprendizagem, de reconceitualização do currículo. Em segundo lugar, quero salientar a importância de repensar o lugar da escola, já não como um "templo do saber", recolhido e isolado da sociedade, mas como uma "peça" (uma peça importante, mas apenas uma peça!) de um espaço cultural habitado por saberes e instituições que devem tomar parte ativa no esforço de educar e de formar. Por último, quero chamar a atenção para a urgência de romper com concepções excessivamente "clássicas" do conhecimento, abrindo o currículo à contemporaneidade (cultural, artística, científica, tecnológica) e favorecendo a reflexão crítica sobre o próprio saber.
Nada disso é novo. Há muito que sabemos o que é preciso fazer. Agora, é preciso ter a coragem de fazer. Não é uma questão de boas intenções. É uma questão de vontade e de competência.

Pátio - Hoje em dia, fala-se muito em profissionalização dos professores. O que é preciso para se efetivar realmente essa profissionalização?


Nóvoa - Os professores estão na mira de todos os discursos. São o alvo mais fácil a abater. No passado, construíram uma imagem social respeitada: eles detinham as chaves da mobilidade social e o prestígio do saber. Hoje, há meios mais eficazes de promoção na sociedade, e o saber (ou, ao menos, a informação) expandiu-se um pouco por toda a parte. Os professores ressentiram-se dessa dupla perda e têm dificuldade em reconstruir uma nova identidade profissional. São estes, a meu ver, os dois dilemas da profissionalização dos professores.
O século XX assistiu a um interesse sem precedentes pela educação da infância e da juventude. O que era assunto de alguns - os professores - passou a ser preocupação de todos. Foi uma transformação importantíssima. Contudo, no caso do ensino, ela ajudou a fomentar a ilusão de que as tarefas docentes podiam ser desempenhadas por qualquer um. Definir um lugar profissional específico em um campo socialmente tão saturado é uma missão quase impossível.

Pátio - Quais as competências necessárias a essa profissionalização?


Nóvoa - Mais do que elaborar uma "lista de competências" (conceito controverso, aliás!), importa insistir em três pontos: primeiro, na necessidade de uma sólida formação inicial, que dote os professores de um bom repertório teórico e metodológico; segundo, na importância de acompanhar os jovens professores, permitindo-lhes um tempo de transição, de aprendizagem do ethos e das rotinas da profissão; terceiro, no caráter decisivo de uma integração em um grupo docente que, no quadro de projetos de escola, promova uma atitude de formação, de reflexão e de inovação.

Pátio - Significa dar ao professor uma maior valorização dentro da escola?


Nóvoa - Sem dúvida. Muitas vezes, centramos a nossa energia no primeiro tempo da formação (a formação inicial) e esquecemos os outros dois tempos. Por um lado, o tempo "curto" de transição entre a formação e a profissão, isto é, os primeiros anos de exercício profissional, que são, talvez, os mais decisivos na vida de um professor. Muito do nosso futuro como professores joga-se nesse período de contato com a realidade escolar e profissional. É aqui que os jovens professores mais necessitam de apoio, de um acompanhamento próximo dos colegas experientes, de um espaço de debate e de diálogo que os ajude a se integrarem na profissão. Por outro lado, o tempo "longo" do nosso percurso profissional, vivido dentro de escolas que têm de ser, elas próprias, lugares de formação. É por isso que me parece tão importante reorganizar as escolas como espaços de aprendizagem cooperativa, onde os professores possam ir formando-se em um diálogo e em uma reflexão com os colegas. Ninguém é professor sozinho, isolado. A formação exige partilha. A atividade docente necessita de dispositivos de acompanhamento.

Pátio - O professor pode ensinar e, ao mesmo tempo, ser um pesquisador?


Nóvoa - Quando falo de acompanhamento, quero referir-me a um acompanhamento dialógico, à inscrição na rotina profissional de hábitos de discussão e de reflexão. Inevitavelmente, estamos falando do "professor como pesquisador". É um debate difícil, pois está marcado por duas resistências muito fortes. Por um lado, a crítica daqueles que consideram que "a ciência começa onde o senso comum acaba" e que, portanto, não aceitam a possibilidade de um pensamento reflexivo baseado na experiência. Por outro lado, a suspeição contida em um velho provérbio chinês - "a experiência é uma lanterna que trazemos às costas e que apenas ilumina o caminho já percorrido" - que chama a atenção para a dificuldade de inovar a partir da experiência. Essas duas "resistências" têm sentido. É preciso cuidado para não transformar a pesquisa em mera reprodução do senso comum ou da tradição. Mas, hoje em dia, é impossível desperdiçar a experiência e, sobretudo, a reflexão sobre a experiência.

Pátio - Qual a saída?


Nóvoa - É aqui que entra um novo conceito de pesquisa. O conhecimento do professor depende de uma reflexão prática e deliberativa. Depende, por um lado, de uma reelaboração da experiência a partir de uma análise sistemática das práticas. É essa análise sistemática que permite evitar as armadilhas de uma mera reprodução de idéias feitas. Depende, por outro lado, de um esforço de deliberação, de escolha e de decisão que passa por uma intencionalidade de sentidos. A reflexão e a decisão pertencem a duas ordens distintas. E uma não conduz, inevitavelmente, à outra. É essa intencionalidade que permite virar a "lanterna da experiência" para frente, de forma que ilumine o presente e o futuro, e não apenas o passado...

Pátio - O que é necessário para que isso aconteça?


Nóvoa - Nos últimos anos, vulgarizou-se o conceito de "transposição didática" para falar do ato de ensinar. Pessoalmente, parece-me mais adequado falar de "transposição deliberativa", uma vez que a ação do professor depende de um trabalho de deliberação, na dupla perspectiva da "reflexão" e da "decisão". Ora, esse trabalho de deliberação exige uma atitude de pesquisa que tem uma dimensão individual (de reflexão de cada um sobre a sua própria experiência) e uma dimensão coletiva (de confronto da nossa reflexão com o olhar dos outros, em particular dos outros colegas). O que exige, sem dúvida, condições de trabalho e de exercício profissional que, muitas vezes, não existem nas nossas escolas. Exige, além disso, uma ligação mais íntima entre o espaço escolar e o espaço universitário. O que exige, por último, um esforço de formalização e de escrita. A pesquisa passa sempre por uma prática de escrita que ajuda à formalização de um saber específico, à sua partilha e ao reconhecimento social de um dado grupo profissional. Escrever é um dos modos mais eficazes de transformar a experiência em conhecimento. Por isso, é tão importante que os professores assumam uma palavra escrita.

Pátio - De que forma o uso de materiais multimídia na sala de aula tem sido um dos propulsores das reformas? O professor está preparado para trabalhar nesta sociedade da informação?


Nóvoa - Podemos dizer que, hoje em dia, ninguém está preparado para trabalhar nesta "sociedade da informação", com um volume absurdo de informação ao alcance de toda a gente e uma desatualização permanente dos conhecimentos. Há dias, ouvi um conceituado cientista dizer: "Eu sei que 50% dos conhecimentos que ensino nas minhas aulas estão ultrapassados. O meu problema é que não sei identificar a metade que está ultrapassada e a metade que não está".
Os trabalhos de Manuel Castells sobre a Galáxia Internet são muito interessantes para compreender a importância de adquirir "uma capacidade intelectual de aprender a aprender ao longo da vida, recuperando a informação que está digitalmente armazenada e utilizando-a para produzir conhecimento". Como ele diz, estamos diante de uma mudança radical: "antes de começarmos a mudar a tecnologia, a reconstruir as escolas e a voltar a formar os professores, necessitamos de uma pedagogia nova, baseada na interatividade, na personalização e no desenvolvimento de uma capacidade autônoma para aprender e para pensar". Este é um dos grandes desafios do futuro para os professores.
No entanto, não vale a pena entrarmos em uma agitação frenética e anunciar todos os dias uma "revolução tecnológica". Fornecer os instrumentos de cultura, desenvolver metodologias de tratamento da informação, aprender a organizar o seu próprio trabalho ou elaborar formas de comunicação verbal e escrita são, desde o princípio do século XX, algumas das principais preocupações inscritas nas melhores experiências pedagógicas. O patrimônio histórico dos professores é a melhor garantia do seu futuro. Tudo se passa, é certo, em um novo ambiente social e tecnológico. Mas não façamos disso um bicho-de-sete-cabeças.

Pátio - É possível priorizar o afeto, a formação integral, quando os professores trabalham com turmas grandes, que precisam ser "controladas" e que devem mostrar resultados?


Nóvoa - Eu vou dizer duas coisas sobre o afeto e a formação integral que os educadores, de um modo geral, não gostam de ouvir. Peço que tentem ler historicamente as minhas palavras.
O afeto é um elemento central de qualquer processo de aprendizagem. Não é possível aprender sem uma dimensão de risco, de passagem do desconhecido para o conhecido, de esforço pessoal, de aventura. E tudo isso necessita de um suporte afetivo, de uma rede de afetos. Porém, a função da escola não é primordialmente afetiva. John Dewey disse isso há muito tempo. Mais do que uma "comunidade", onde as pessoas se escolhem e a vida coletiva é baseada em afetos, a escola deve ser uma "sociedade", isto é, um lugar onde se aprendem as regras da vida em comum, onde se trabalha com objetivos bem definidos, onde se procura que cada um vá o mais longe possível no seu desenvolvimento. Philippe Meirieu explicou-o muito bem ao falar dos "jovens em dificuldade", ao dizer que o problema principal que eles enfrentam não é uma "ausência de comunidade", mas sim uma "ausência de sociedade": "não conseguimos construir com eles a possibilidade de aceder a uma relação de respeito mútuo, de escuta mútua, de colaboração mútua em um lugar que não é, primordialmente, um lugar afetivo, um lugar de dominação de um guru qualquer, um lugar onde a personalidade individual se esbate no seio de manifestações tribais coletivas".
A formação integral é, juntamente com a autonomia, o conceito-chave da pedagogia moderna. Ninguém duvida da importância de formar a pessoa na sua inteireza. As recentes descobertas das neurociências reconfortam-nos na impossibilidade de separar a consciência, as emoções e o sentimento. Pensamos com o corpo e sentimos com a inteligência. Mas a idéia de formação integral conheceu alguns desvios totalitários, que nos levaram a confundir a condição privada e a condição pública do educando, acabando por tudo querer controlar. A crença na formação de um "homem novo" situa-nos na fronteira do intolerável. E a autonomia quantas vezes não foi além daquela anunciada por Rousseau: "O aluno só deve fazer o que quer. Mas só deve querer o que vocês querem que ele faça. Não deve dar um passo sem que vocês o tenham previsto. Não deve abrir a boca sem que vocês saibam o que ele vai dizer".

Pátio - Isso coloca em xeque algumas das principais convicções pedagógicas.


Nóvoa - É verdade. Não podemos continuar a repetir, sem um olhar crítico, idéias que fundaram a pedagogia moderna, mas que hoje precisam ser repensadas. E, no entanto, também eu concordo que é preciso "colocar os afetos dentro da inteligência", também eu defendo que "só na autonomia e pela autonomia é que se realiza uma verdadeira educação". Todavia, precisamos ir mais longe nessa reflexão. Quanto às "turmas grandes", mencionadas na pergunta anterior, pouco posso dizer. É muito difícil responder a questões que se prendem à falta de condições para uma escola de qualidade. Podemos lamentar. Podemos dizer que há colegas que, em condições idênticas, fazem verdadeiros milagres. Podemos explicar a necessidade de recorrer a certas técnicas e métodos de ensino. Mas é uma conversa um pouco redonda... Temos uma responsabilidade como educadores. Ninguém dirá que os milhares de cientistas que dedicaram sua vida à procura de uma cura para o câncer são todos uns incompetentes e malsucedidos. Na ciência, é possível não ter resultados, pelo menos a curto e médio prazos. Na educação, não é. É verdade que a aprendizagem não se decreta. E que não podemos obrigar ninguém a aprender. Porém, essa constatação não reduz em nada a nossa responsabilidade de ensinar. É o compromisso com a educação de todas as crianças que nos dignifica como educadores e dá sentido à nossa profissão.

Pátio - Do seu ponto de vista, quais os desafios para o professor do século XXI e como enfrentá-los?


Nóvoa - Poderia responder de muitas maneiras e todas imperfeitas. Falarei apenas de três desafios: a lucidez, a coerência e a abertura.
O professor trabalha em uma sociedade em permanente mudança, atravessada por conflitos e dilemas difíceis de resolver. O pensamento dicotômico não traz nenhuma solução: Educação ou instrução? Aprendizagem ou ensino? Desenvolvimento da pessoa ou aquisição do conhecimento? Liberdade ou autoridade? Métodos ou conteúdos? Interesse ou esforço? O drama do professor é a impossibilidade de optar por um ou por outro desses termos, pois o ato educativo só se completa quando eles se encontram e se transformam em um só. O primeiro desafio do professor é o desafio da lucidez. Ele deve possuir os instrumentos para uma análise séria e informada, que lhe permita encontrar, em colaboração com os seus colegas, as soluções mais adequadas para educar todas as crianças.
As sociedades atuais têm leituras muito complexas, e os professores são chamados a desempenhar inúmeras tarefas e missões. Por vezes, sonhamos com uma escola calma e tranqüila, freqüentada por alunos disciplinados e movidos por um enorme desejo de aprender. Contudo, este é um retrato idílico da escola, o qual não corresponde de forma alguma à realidade. Hoje, os professores necessitam não só de uma formação bastante sólida, mas também de dispositivos de acompanhamento e de reflexão. É isso que lhes permite responder ao desafio da coerência, não reagindo de modo avulso à panóplia de solicitações (de métodos novos, de técnicas, de projetos, de iniciativas, de tecnologias, etc.), mas mantendo uma grande serenidade baseada em um modo pessoal, único, de serem professores.
Freqüentemente, as escolas são espaços fechados ao mundo, fechados às novas realidades sociais, fechados à ciência, à arte, à cultura. Os professores reconfortam-se, por vezes, na imagem da escola-recolhimento, da escola como espaço afastado do mundo onde as crianças possam crescer como crianças. É uma imagem que também eu gosto de partilhar. Mas ela não é contraditória com o desafio da abertura, com a necessidade de trazer a contemporaneidade para dentro das escolas. Em uma sociedade que se quer do conhecimento, as escolas não podem ser "instituições fossilizadas" e têm de participar das "redes" e das "teias" que tecem o nosso século.
Ser professor implica um corpo-a-corpo permanente com a vida dos outros e com a nossa própria vida. Implica um esforço diário de reflexão e de partilha. Implica acreditar na educabilidade de todas as crianças e construir os meios pedagógicos para concretizá-la. Será por isso que Freud lhe chamou o ofício impossível? Provavelmente. Ser professor é o mais impossível e o mais necessário de todos os ofícios.

sábado, 16 de julho de 2011

Anos 80 e Teresa Poester.

Características da “Geração 80” e o trabalho de Teresa Poester

Uma das características da geração 80 é o retorno ao fazer manual e prazeroso da pintura, com movimentos gestuais de grandes proporções, o qual estava representado nas obras com cores vibrantes, distribuindo paisagens, objetos e formas por toda a extensão da tela.
Este período reflete o pluralismo político que surgia após anos de repressão e ditadura, no qual jovens artistas, através de suas obras, fizeram ressurgir a figuração pop, buscando uma arte que expressasse livremente a imaginação, a transcendência, o humor e a criação artística com sua individualidade reconhecida e que, além disso, promovesse a transformação social de todos os indivíduos.
A geração foi marcada também pela experimentação do ato de pintar, inserindo a este fazer diversas técnicas e materiais tais como: recortes, colagens, tecidos e o suporte deixou de ser apenas a tela e as paletas, ocorrendo a inserção da tecnologia e de novos estilos, cores e formas.
Era comum o acabamento bruto, a combinação de cores contrastantes e desarmoniosas, resultando em obras híbridas e cheias de luminosidade, com multiplicidade de materiais e estilos, onde pintura e objeto uníam-se formando uma totalidade.
Descartando a idéia de pintura como grande obra, através de tintas comuns e telas sem molduras, retratavam temas da realidade, utilizando imagens relacionadas à comunicação para transformar seu propósito, adicionando elementos pessoais e irônicos e desencadeando um diálogo com a história da arte. Através de um intercâmbio de ideias e experiências, as obras desenvolvidas mostravam a relação reflexiva e pessoal de cada artista, opondo-se à arte conceitual e fazendo com que as próprias exposições fossem obras de arte.
Este tipo de pintura objetivava a percepção do mundo através do olhar, a comunicação direta com o espectador, bem como a leitura crítica e a integração entre arte e vida.
Havia uma descrença na política e no futuro e investimento no momento presente. A Geração 80 se utilizava da sensibilidade e originalidade e era a ponte entre o erudito e o popular, elaborando espaços, linhas e movimentos de forma poética.
Portanto, a “Geração 80” através de sua arte libertadora, desfez muitos dos princípios acadêmicos nas artes plásticas, repercutindo tanto nacional, quanto internacionalmente. Eliminou fronteiras de tempo e espaço, abordou a globalização e a nova face da liberdade artística.
A artista Teresa Poester vivenciou e participou da Geração 80 e possui em suas obras características da pintura desta geração, no sentido que utiliza cores vibrantes, suportes de grande proporção, através de movimentos gestuais expressivos e marcantes, repletos de autenticidade e contextualidade.
A realidade está presente nas obras, assim como a aproximação do público, que dialoga com cada linha, movimento, sensação e cor impressa nelas.
É perceptível em seus trabalhos a renovação, a inovação, a liberdade de criar, não se prendendo a modismos, assim como a busca constante por novos resultados, com novos materiais, e com a intencionalidade de que cor, forma e desenho se completem, de modo que nem um, nem outro se sobressaia.

Vik Muniz no Programa do Jô.